Cientistas para lá deste mundo

Em 2001 estreámos o nosso primeiro espectáculo no âmbito do nosso projecto Ciência no Teatro – “Revolução dos Corpos Celestes”. Nesta peça percorremos um tríptico de personagens fundamentais na história da ciência e, em particular, da cosmologia: Ptolomeu, Copérnico e Galileu.

Em 2006 criámos o nosso quarto espectáculo neste projecto, “Bengala dos Cegos – o descobrimento de Pedro Nunes”, a propósito da vida e obra deste importante matemático português, que constituiu o primeiro espectáculo de uma trilogia dedicada a importantes cientistas que mudaram, ao longo dos séculos, a nossa forma de ver o mundo.

DarWIN?, a propósito do naturalista britânico Charles Darwin e da sua teoria da evolução das espécies, será o próximo passo nessa trilogia.
Charles Darwin nasceu a 12 de Fevereiro de 1809 em Shrewsbury, Inglaterra. A sua obra mais famosa, “A Origem das Espécies”, pilar da teoria da evolução, foi publicada em 1859. Este momento em que passámos, enquanto espécie, a ser resultado de um longo processo evolutivo, com antepassados comuns aos outros animais, constitui um marco na história da humanidade.

A ideia de ocuparmos um lugar privilegiado na Terra foi assim, por esta teoria de Darwin, mais uma vez abalada pelo facto de sermos parentes afastados de todos os outros animais, e ofereceu-nos uma visão de nós próprios mais integrados na natureza.

Como é natural, esta mudança profunda de paradigma não foi pacífica. Já Galileu Galilei (entre outros) ao tentar modificar a imagem da Terra no centro do mundo, havia sofrido forte antagonismo dos poderes mais conservadores. Darwin e a sua revolucionária teoria também foram objecto de forte controvérsia. No entanto, a fundamentação consistente apresentada pelo cientista bem como o apoio de outros cientistas na época, fizeram com que esta nova teoria rapidamente conquistasse a comunidade científica e, progressivamente, se fosse instalando na nossa cultura como um importante marco no conhecimento de nós próprios.

A partir de uma caricatura a Darwin e à sua teoria da evolução das espécies publicada na revista “Hornet”.

Desde o séc. XIX que uma linha de pensamento opositora da teoria da evolução sobrevive até aos dias de hoje. Num primeiro momento com uma (o)posição abertamente religiosa, assente nas palavras da bíblia, evoluiu para uma postura mais científica, o “criacionismo científico” e, mais recentemente, tomou a designação de “Intelligent Design” (ID). No tocante às nossas origens, segundo esta “teoria” todas as espécies animais terão sido criadas, em determinada altura, por uma entidade inteligente superior, existindo uma forte articulação entre os “factos” que defende e os “factos” descritos na Bíblia.

Esta diferença de ideias entre os defensores do criacionismo (e do ID) e a comunidade científica para a qual a teoria da selecção natural é um facto provado, está, presentemente, muito acesa, sobretudo nos E.U.A., com os primeiros a tentar inserir, nalguns locais com êxito, o criacionismo nos programas escolares. Como seria previsível, esta polémica está agora a sentir-se em Portugal, numa escala (ainda) reduzida, mas já suficiente para terem acontecido, neste início de 2007, algumas conferências e colóquios que juntaram defensores de uma e outra “teoria”. A somar a isto há o anúncio da construção do primeiro museu criacionista da Europa perto de Mafra, no nosso país.

A comunidade científica não leva a sério as ideias defendidas pelo ID, considerando-as mesmo completos disparates, e tenta nem se dar ao trabalho de lhes dar importância. Mas este movimento vai alastrando e ganhando força, sobretudo nos meios onde reina a iliteracia científica. Será por esta razão que os cientistas, agora também cá em Portugal e num crescente número de artigos de opinião, se preocupam, apesar de tudo, em rebater as ideias defendidas pelos criacionistas, pois a melhor forma de combater a sua propagação será através da educação e divulgação científicas.

É neste momento de oportunidade, em vésperas de se cumprirem 200 anos desde o nascimento de Charles Darwin e 150 da publicação de “A Origem das Espécies”, numa altura em que, por estranhas razões, este tema é tão actual, que decidimos agarrar este cientista e a sua obra como tema para o segundo projecto da nossa trilogia “Cientistas para lá deste mundo”.

Ficha técnica e artística

Texto e Encenação:
Mário Montenegro

Consultor científico:
Paulo Gama Mota

Elenco:
Alexandre
Anabela Fernandes
Mário Montenegro



Sonoplastia:
Rui Capitão

Vídeo:
Francisco Queimadela
Mariana Calo

Espaço cenográfico, figurinos e adereços:
Joana Cardoso

Iluminação:
Rui Simão

Apoio e colaboração

Blog: De Rerum Natura [Sobre a Natureza das Coisas]

Espaço de discussão para “o empreendimento humano da descoberta do mundo, que é a ciência”. Com a colaboração de Carlos Fiolhais (físico), Desidério Murcho (filósofo), Helena Damião (pedagoga), Jorge Buescu (matemático), Palmira F. Silva (química), Paulo Gama Mota (biólogo) e Sofia Araújo (bióloga). Disponível no endereço: http://dererummundi.blogspot.com.


Breve Nota sobre Darwin


[ da autoria de Paulo Gama Mota, consultor científico do projecto ]

Darwin foi um dos mais importantes e influentes cientistas da história. A ele se deve a formulação de uma teoria de evolução que permite explicar a diversidade dos organismos que encontramos na Terra, bem como a proposta de um mecanismo que explica como essa evolução se pode processar – e que se revelou estar correcto. Além disso e mais importante, uma das consequências principais das teorias de Darwin é a recolocação do Homem no seio da Natureza, ao estabelecer que a nossa espécie também evoluiu como as outras de antepassados que viveram muito tempo atrás.

Uma das consequências inelutáveis dessa ideia é a de que somos parentes evolutivos de outras espécies actualmente existentes e não o resultado de um acto de criação especial. Como afirmou George Gaylord Simpson, todas as explicações para a origem do Homem anteriores a 1859 - data da publicação da Origem das Espécies – são destituídas de interesse. Mas, esta consequência do conhecimento científico, com claras implicações para o entendimento das nossas origens, não tem sido facilmente assimilável desde a sua apresentação. Na altura, a mulher de um bispo anglicano afirmou: meu Deus, descendentes dos macacos!? Esperemos que não seja verdade. Mas, se for, que não se torne conhecido, o que exprime a relutância em aceitar uma ideia tão revolucionária. Os sectores religiosos radicais ainda hoje, nos EUA, mas também, de algum modo, na Europa, atacam violentamente as ideias de Darwin e procuram, por diversos meios - que não foram sancionados pelo Supremo Tribunal dos EUA -, impedir o ensino das teorias evolutivas. Esta atitude, claramente obscurantista, constitui um atentado ao conhecimento científico e à liberdade de pensamento, em particular, o pensamento racional.

Darwin tinha consciência das implicações das suas ideias e de quão revolucionárias eram. Tinha também consciência do risco de as tornar públicas, pelo que sucedeu a outros cientistas que revolucionaram o nosso pensamento, como Galileu. Por isso demorou tanto tempo a decidir-se a publicar o seu trabalho principal. Os dilemas que viveu, a solidão de ter uma ideia tão radical e sentir que poderia não ser acompanhado pelos seus contemporâneos, são elementos de grande densidade dramática.

Sem dúvida que, se pensarmos das implicações do seu pensamento, poderemos concordar com Ernst Mayr que considerou Darwin o cientista mais importante do Século XX - mesmo tendo vivido no anterior.